Angola é considerado um “país não livre” pela organização não-governamental Freedom House que denuncia perseguições a jornalistas, activistas políticos e líderes religiosos angolanos. Ou seja, tudo hoje está como estava ontem e como estará amanhã.
“O presidente José Eduardo dos Santos e o seu partido, Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) mantêm um apertado controlo sobre o poder político e restringiu de forma significativa as liberdades civis durante 2015”, denuncia o relatório mundial da Freedom House hoje apresentado em Washington.
O documento da organização não-governamental norte-americana acrescenta que devido à queda das exportações de petróleo, o governo angolano “foi forçado a adoptar medidas impopulares” que acabaram com os subsídios em relação aos combustíveis e com restrições no uso de cartões de crédito.
Neste “contexto”, indica o relatório, as autoridades agiram de forma a suprimir os dissidentes e que, através da violência, dispersaram protestos tendo detido um grupo de “jovens activistas” que foi acusado de preparação de golpe de Estado.
Sobre Angola, os relatores da Freedom House frisam que os meios de comunicação governamentais — “um jornal diário, as estações de rádio e a televisão do Estado — assim como os meios de comunicação privados, propriedade da “família Dos Santos” actuam como ‘amplificadores’ do MPLA”.
“A censura e a autocensura são comuns”, sublinha o documento acrescentando que as autoridades negam aos jornalistas o acesso a fontes de informação, ameaçando os profissionais com detenções e perseguições.
O texto refere-se aos casos do jornalista Valentino Mateus detido na província da Huíla em Maio de 2015, preso por pedir uma entrevista ao comandante da polícia local, e a Rafael Marques condenado a seis meses de pena suspensa por difamação contra generais no caso da investigação sobre “diamantes de sangue”.
O relatório inclui ainda os casos de tribunal que envolveram o grupo religioso Kalupeteka, do Huambo, o activista de direitos humanos Marcos Mavungo, em Cabinda, além da legislação que foi aprovada pelo chefe de Estado e que restringiu o trabalho das organizações não-governamentais em Angola, impedindo-as de receber doações.
“Não existem restrições formais sobre a liberdade na academia, mas os professores evitam temas políticos sensíveis com medo de represálias”, lê-se ainda no documento que mostra preocupação pelo facto de uma parte considerável da população viver no limiar da pobreza apesar dos elevados lucros conseguidos com a extracção de petróleo, nos últimos anos.
Depois de muito contestadas pela classe jornalística e, ainda assim, aprovadas pela Assembleia Nacional, cinco das seis leis do pacote da comunicação social proposto por José Eduardo dos Santos, na qualidade de chefe do Executivo, foram promulgadas por José Eduardo dos Santos, outra vez ele, mas aqui enquanto presidente da República, e publicadas em Diário da República no dia 23 de Janeiro.
Com excepção da lei de Rede e Dados Informáticos, que não foi sequer aprovada pela AN, entram “em vigor à data da sua publicação” as leis de Imprensa, sobre o Exercício da Actividade de Televisão, sobre o Exercício da Actividade de Radiodifusão, da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana – ERCA, e sobre o Estatuto do Jornalista.
Com estas leis em vigor, coloca-se assim fim à ausência de regulação legal sobre o sector que durou décadas.
Como resultado dos protestos públicos realizados por organizações da classe como o MISA-Angola, o Sindicato dos Jornalistas e profissionais individualmente, alguns pontos foram retirados das leis. O mais contestado era o poder conferido à ERCA de atribuir as carteiras profissionais de jornalista, atribuição que constava da alínea d), número 1 do artigo 20.º da proposta de lei.
Segundo o número 6 do artigo 21.º da nova lei de Imprensa, compete à Comissão da Carteira e Ética atribuir o documento profissional, comissão esta que, nos termos d artigo 30.º do Estatuto dos Jornalistas, “é um organismo de direito público, ao qual compete assegurar o funcionamento do sistema de acreditação dos profissionais de informação da comunicação social”.
Ao contrário da composição da ERCA, a Comissão da Carteira será integrada apenas por jornalistas, dez membros, dos quais sete efectivos e três suplentes, eleitos em assembleia geral convocada pela ERCA, conforme determina o artigo 31.º do Estatuto do Jornalista.
Recordar que a ERCA é um órgão excessivamente político e partidarizado (artigo 13.º da lei da ERCA), pois na sua composição estarão indivíduos esmagadoramente indicados pelo MPLA (5), isto por ser a bancada com maior número de deputados, um membro por José Eduardo dos Santos, nas vestes de titular do Executivo, três pelos demais partidos representados na AN e dois por organizações da classe, cujo modelo também não está claro, visto existir várias organizações de jornalistas.
Um dos pontos que não foi alterado é o relativo à obrigação dos órgãos da comunicação social publicarem as notas oficiais, apesar das muitas reclamações. Por imperativo legal, os órgãos de imprensa, privada e pública, agora têm de divulgar “gratuitamente”, com a “máxima urgência e o devido relevo” as notas oficiais que venham do presidente da República, da AN, e dos tribunais (artigo 16.º).
A redacção do artigo não alterou comparado à proposta, nem sequer o número. E há ainda a respectiva multa para os órgãos incumpridores, que varia de 500 mil a um milhão e meio de Kwanzas, pelo que recorremos ao exemplo que o Folha 8 já havia dado em matéria anterior.
Será assim: se a rádio Despertar estiver a emitir o seu programa dominical “Angola e o Mundo em sete dias”, que faz uma resenha dos factos ocorridos na semana, e José Eduardo nomear um dos filhos ou outra pessoa para qualquer cargo no mesmo instante, o programa terá de ser interrompido para ler o despacho de nomeação do presidente.
Ao não interromper a grelha normal de programação, o ministério da Comunicação Social ou a “nova polícia dos jornalistas” (Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana – ERCA) vai aplicar a referida pena.
E importa destacar que a rádio Despertar também não recebe qualquer incentivo do Estado, segundo o seu director Emanuel Malaquias.
Quanto aos incentivos à comunicação social, houve uma ligeira mas importante alteração na redacção. Enquanto a proposta dizia que “as empresas de comunicação podem […] beneficiar de incentivos”, mera possibilidade e não uma obrigação, a lei da imprensa nova determina que “o Estado estabelece um sistema de incentivos de apoio aos órgãos de comunicação social de âmbito nacional e local […]”.
Porém, importa referir que a redacção final, e respectivo número, é a mesma da lei de imprensa ora revogada de 2006 (lei n.º 7/06). Na vigência da anterior lei, os órgãos claramente críticos ao regime do MPLA nunca beneficiaram de incentivos, o Folha 8 obviamente incluído, nada garante que estes órgãos terão benefícios nos termos da nova lei.
O que também se manteve é a proibição de divulgação de informações que se encontrem “cobertas por segredo de Estado, segredo de justiça ou outro e ainda quando a informação afectar, gravemente, a reserva de intimidade dos cidadãos, constitucionalmente protegida” (artigo 19.º da lei de Imprensa).
Uma “autêntica armadilhada”, é o que esta disposição significa para os jornalistas, que estão agora legalmente impedidos de exercer jornalismo investigativo.
Ismael Mateus, aquando de uma das conferências organizadas pelo MISA-Angola para discutir as leis agora publicadas, afirmou: “Quando quisermos fazer jornalismo investigativo, que é o jornalismo essencial hoje para a qualidade da democracia e para a boa governação, corremos o risco de que alguém entenda que aquela informação que nós buscamos é obtida de modo ilícita ou desleal. Estão a ameaçar os jornalistas dizendo: `se você tiver acesso aos documentos serás penalizado`”.
Os processos judiciais se vão multiplicar-se contra jornalistas que ousarem divulgar “informações cobertas por segredos”, dos quais se destaca o também activista pelos Direitos Humanos Rafael Marques que tem investigado e divulgado esquemas de corrupção até da presidência.